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segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Filariose em Pernambuco



por PGAPereira. A filariose, transmitida pela muriçoca Culex, foi considerada em 1960 problema de saúde pública no Recife pelo Departamento Nacional de Endemias Rurais, que cuidava do controle de doenças no Ministério da Saúde. Na década anterior, um estudo feito no território nacional para verificar a distribuição da doença já havia encontrado muitas pessoas (13% dos examinados) infectadas em bairros como Santo Amaro, Beberibe, Encruzilhada, Várzea e Afogados. Mais cedo ainda, o médico Amaury Coutinho provava uma variação clínica à elefantíase, a eosinofilia pulmonar, cujo primeiro caso brasileiro foi detectado por ele em Pernambuco. A dona de casa Renata Maria de Carvalho residente no Córrego do Deodato, em Água Fria, bairro da Zona Norte da cidade e com mais números de casos no atual milênio, conhece bem, aos 22 anos de idade, como é difícil conviver com muriçocas e filariose. Há dois anos, o marido dela teve o desprazer de saber que estava infectado. Foi assistido pelo tratamento coletivo, ação que a Secretaria de Saúde do Recife passou a adotar desde 2003 para conter a transmissão da doença, trabalho exitoso, já reconhecido pela Organização Mundial da Saúde. Mas Renata acredita que tomar remédio todo ano não resolve o problema. Na porta da casa dela, passa um canal aberto com água pluvial e de esgoto, que atrai as muriçocas. Tratar em massa populações de áreas mais expostas ao mal tem sido estratégias também em três cidades vizinhas: Olinda, Paulista e Jaboatão dos Guararapes. Pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz e outras instituições de Pernambuco defendem, no entanto, um estudo amplo para conhecer a real situação de outras cidades do Grande Recife. "Há uma migração muito grande de pessoas na região metropolitana. É preciso saber se há expansão da doença para áreas nunca estudadas. A filariose é silenciosa, pode ser transmitida por longo tempo sem provocar sintomas imediatos", diz Abraham Rocha. Ele é coordenador do Serviço de Referência em Filariose da Fiocruz no Recife.
Tratamento coletivo reduz transmissão. Embora esteja longe de uma situação ideal em matéria de drenagem, coleta e tratamento de esgoto, o Recife está superando a fama de capital da filariose. O mosquito Culex quinquefasciatus ainda existe no ambiente, alimentado pelas condições geográficas, climáticas e pela falta de saneamento. A quantidade de pessoas com microfilárias no sangue, nas áreas historicamente de pior situação, vem caindo desde que foi implantado o tratamento coletivo, cobrindo até o momento 54 localidades. A gerência de Vigilância em Saúde municipal afirma que de 2003 a 2012, o número de pessoas infectadas caiu 99%. "Hoje, a média é de 0,24 caso por 100 mil. Já foi de 61 por 100 mil habitantes", informa o gerente de Epidemiologia, Antônio Leite. Água Fria, na Zona Norte do Recife, onde mora Renata é um dos bairros em que historicamente houve muitos casos. "Deu positivo para meu marido em 2010. Ele fez tratamento e graças a Deus ficou curado", relata. Ela só teme que a doença volte a atormentar a família. "As muriçocas só faltam carregar a gente", diz. Na casa de Renata, inseticida químico é item indispensável na feira. Por isso, para ela, a situação só estará controlada de fato quando a prefeitura resolver o problema do canal que corre na sua porta. "Poderiam colocar uma proteção, o que ajudaria também no acesso de carros a rua, além de fazer limpeza com maior frequência e definitivamente dotar a comunidade de rede coletora de esgoto", diz. Enquanto não amplia em larga escala a coleta e tratamento dos dejetos, a prefeitura usa larvicida biológico nas canaletas e canais para diminuir a reprodução de mosquitos. "De forma geral, tivemos uma melhora significativa comparando a situação atual à de dez anos atrás. Não há dúvida de que essa melhora só foi possível porque houve interesse significativo da gestão", avalia o coordenador-geral do serviço de referência em Filariose da Fiocruz no Recife, Abraham Rocha. Segundo ele, se não fosse o envolvimento das Secretarias de Saúde de Olinda e Recife, possivelmente não haveria melhora epidemiológica da filariose. A coordenadora Epidemiológica do serviço de referência da Fiocruz, Zulma Medeiros, defende a ampliação dos estudos sobre a doença, nos moldes de uma pesquisa que cubra o cinturão do Grande Recife, nos municípios com situação indeterminada para a doença, tais como Abreu e Lima, Cabo de Santo Agostinho, Camaragibe, Igarassu, Ilha de Itamaracá, Ipojuca, Itapissuma, Moreno, Paulista e São Lourenço da Mata. "Nos 11 que compõem a RMR e que fazem limite com as áreas endêmicas, as informações disponíveis na literatura e nos serviços de saúde são conflitantes, caracterizando a necessidade de dados epidemiológicos que venham a definir o real status epidemiológico de cada um", justifica Zulma Medeiros. O governo brasileiro aderiu ao Programa Global de Eliminação da Filariose Linfática em 1996. Olinda tem 377.779 habitantes, que vivem em 113.238 imóveis, sendo 92.867 casas. O IBGE contou 4.458 residências com esgoto sanitário correndo em valas. Na cidade vizinha, Paulista, 2.992 domicílios utilizam a mesma forma de escoamento dos dejetos. Pouco mais de um terço dos pernambucanos, de fato, contam com rede coletora de esgoto, na maioria das vezes sem tratamento adequado, mas tudo isso foi gerado por péssimos prefeitos do Recife e Olinda que gastaram os orçamentos em festas carnavalescas e propagandas políticas. Cada povo tem o prefeito que merece. Enquanto a maioria dos eleitores que são semianalfabetos tiver peso maior no sufrágio das eleições, o país fica desgovernado e sem líderes que possam realmente resolver estas calamidades públicas. 

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Hanseníase em Pernambuco



por PGAPereira. Em 1966, o médico recém-formado Itamar Belo dos Santos assumia seu primeiro emprego no Centro Lessa de Andrade, na Madalena, Zona Oeste do Recife. Começava aí sua carreira como leprologista, palavra em desuso nos tempos atuais. Hoje, 46 anos depois, não tem como esconder a decepção diante de um problema que ajudou a combater por toda a sua vida profissional na saúde pública: a hanseníase. A doença mudou de nome para que o estigma e o preconceito fossem vencidos, mas ela se mantém firme, distribuída na geração de jovens, embora sejam raros os isolamentos como no passado. Nas décadas de 40, 50 e 60, o Hospital da Mirueira, em Paulista, conhecido como o Leprosário de Pernambuco, recebeu dezenas de doentes abandonados pelas famílias. O abandono, aliás, traduziu-se em muitas formas. "Faltou compromisso das autoridades sanitárias, por isso a doença persiste até hoje", afirma convicto. No Lessa, centro de referência, Itamar tratou centenas de doentes, formou novos profissionais e iniciou seus estudos. Propôs a descentralização do atendimento. "Era preciso preparar os médicos para atuarem no interior, criar os dispensários com assistentes sociais, dermatologistas. Quando houvesse dúvida, o paciente viria à capital". Mas não deram a mínima para a iniciativa do especialista. Mesmo sem apoio, Itamar manteve seus estudos sobre a doença. Fez mestrado, doutorado, atuava como preceptor de jovens médicos ou doutorandos em conclusão de curso. Realizou pós-doutorado em Barcelona (Espanha), produziu mais de 40 trabalhos. Conseguiu provar que não bastava combater o bacilo, era preciso usar remédios que estimulassem o sistema de defesa do organismo do doente. Queria ir mais adiante, porém não teve apoio. No Hospital da Santa Casa de Misericórdia, em Santo Amaro, fundou e hoje é consultor de um centro de dermatologia, que especializa médicos. Assim como nos tempos de Itamar, as vítimas da hanseníase em Pernambuco permanecem em classe social baixa. São idosas, adultas, jovens, como essa adolescente grávida de São José do Egito (foto) e crianças, da capital e dos mais distantes lugarejos do interior. Quanto mais novo o portador da enfermidade, maior o sinal do descontrole da transmissão. O Estado é o terceiro do País em número de doentes. Todo esse caos na saúde pública de Pernambuco deveu-se as péssimas administrações de governadores sem as mínimas qualificações para a função pública, por exemplo, Miguel Arraes de cujo orçamento foi todo para fazer suas politicagens de catador de votos dos miseráveis enganando a população com discursos metafóricos e sem vínculos com a realidade; um Jarbas Vasconcelos que nada fez em prol da população com projetos de pouca significação ou distanciados do dia a dia dos miseráveis; e o Eduardo Campos que desprezou a saúde pública em detrimento de aumentos absurdos do funcionalismo estadual, gastando o bilionário orçamento com projetos desnecessários e faraônicos, um destoado da realidade angustiante dos pernambucanos.
Adolescente grávida e com hanseníase. Na cidade de São José do Egito, no Sertão, a missão era encontrar portadores da doença de Chagas. Mas agentes comunitários de saúde e outros profissionais da atenção básica do SUS chamavam a atenção para a hanseníase. No posto de saúde de um dos bairros populosos da cidade, havia uma garota de 17 anos, grávida de seis meses, com manchas em várias partes do corpo, que reclamava das reações provocadas pelo remédio. "Não sabia que estava com hanseníase. Agora estou preocupada porque vomitei muito depois de iniciar o tratamento", contava. Tinha ido à unidade do SUS em busca de uma orientação médica. Segundo os profissionais de saúde, há muita migração de moradores de um bairro para outro, da zona rural para o espaço urbano, formando novos aglomerados. O êxodo rural em Pernambuco esvaziou os engenhos por completo. Tuberculose, alcoolismo e hanseníase acabam ganhando espaço entre essa população mais pobre nas cidades. Num dos loteamentos da cidade, um casal de meia idade, ex-morador do Recife, habita um casebre, onde não há água encanada e as condições de higiene são aparentemente precárias. A dona de casa está com hanseníase, mas não cumpre o tratamento. O marido tem uma ferida infectada na perna, na cicatriz de uma fratura exposta. Eles têm sete filhos. Ao descobrir casos de hanseníase, as equipes de saúde fazem bloqueio, vacinando com BCG (a mesma para tuberculose) parentes e a vizinhança que teve contato com o doente. Os remédios estão disponíveis, mas a dificuldade é convencer pessoas com outros problemas sociais a cumprirem a prescrição. O Programa Estadual de Enfrentamento das Doenças Negligenciadas (Sanar) elegeu 25 municípios prioritários, onde há uma maior quantidade de menores de 15 anos infectados, principalmente no Agreste e Sertão. Por ter grande número de doentes nessa faixa de idade, Pernambuco é considerado hiperendêmico. Somando doentes de todas as idades, a média é de 37 doentes em cada grupo de 100 mil habitantes. Em 2011, o número absoluto de casos confirmados chegou a 2.649. Nos últimos dez anos são 34.666. Para melhorar o combate, o Sanar implantou um laboratório de referência no Hospital Otávio de Freitas, no Recife, fez mutirão em cidades prioritárias e está treinando médicos da atenção básica para melhorar o diagnóstico. Recife. Na capital, o desenvolvimento econômico com a permanência de desigualdade faz com que de cada 100 mil pessoas, 45 tenham hanseníase. "A condição socioeconômica, a densidade populacional no domicílio e o preconceito, que leva o indivíduo a não procurar o serviço de saúde, favorecem a transmissão da doença", explica o responsável pela Epidemiologia, Antônio Leite. A Secretaria de Saúde do Recife iniciou, antes do projeto estadual, um plano de combate às doenças negligenciadas, focado na população escolar. Nos colégios públicos, alunos e professores recebem informações sobre hanseníase. Crianças e adolescentes levam para casa uma ficha a ser preenchida com os pais. A partir das respostas, são selecionados casos suspeitos. De 5.111 fichas distribuídas a partir do ano passado, 39,8% (2.036) foram respondidas. De 679 suspeitas, foram confirmados 19 casos. O resultado foi considerado satisfatório, o que sustenta a continuação do trabalho. São José do Egito, no Sertão do Pajeú, tem 31.829 moradores. A maior quantidade de domicílios permanentes é aquela em que vivem três pessoas. Há 2.595 moradores nessa situação.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

A tuberculose em Pernambuco



Por PGAPereira. O advento da penicilina na década 40 e o avanço da medicina no século atual bem que poderiam ter nos livrado do bacilo de Koch. Mas não foi isso o que aconteceu e muito menos será realidade em pouco tempo. No País das desigualdades, tão realçadas em território pernambucano, as doenças sociais não se apagam facilmente. A tuberculose, que já era motivo de preocupação em 1648, quando o médico do Conde Maurício de Nassau, Guilherme Piso, escreveu um livro sobre a história médica da Índia Ocidental, com um dos capítulos intitulado "Dos Catarros", ainda mata uma pessoa por dia no Estado (segunda maior taxa do Brasil). São 4.100 doentes novos e 370 óbitos por ano. Durante essa expedição, ouvimos de médicos contemporâneos, com quase 30 anos de prática, a impressão de que o problema não cessa e ganha novos complicadores. Em vez do álcool, agora é o crack que facilita o adoecimento. A aids, desde a década de 80, deixa outros tantos vulneráveis. A condição de vida, insalubre para pobres, também permanece aliada, além do superlotado sistema penitenciário. Uma incursão nos hospitais Otávio de Freitas, para onde vão os doentes com a forma multirresistente, e Oswaldo Cruz, fundado em 1884 como Hospital de Santa Águeda para cuidar das epidemias, revela doentes jovens e adultos, preferencialmente do sexo masculino, magros, escarrando sangue. J.R., 38 anos (foto), pedreiro, entrou para essa lista este ano, depois de passar quase 12 meses sem diagnóstico. "Tinha dor no peito. Dava febre todo final de tarde. Eu ia para a UPA para não esperar duas semanas pela consulta com o médico do Saúde da Família. Diziam que era virose, tomava dipirona, melhorava e piorava no outro dia, sempre na mesma hora."
Dez novos doentes por dia. Quando comecei a tratar pacientes com tuberculose mal sabia que se tratava de um caldeirão prestes a explodir. Esse caldeirão continua borbulhando. Há uma deficiência nas redes primárias de saúde, as pessoas abandonam o tratamento e acabam se hospitalizando com uma doença resistente aos remédios. Sempre teve e tem muita tuberculose. Vejo mais pessoas doentes e o diagnóstico não é fácil. Acredito numa predisposição genética. Todos nós entramos em contato com o bacilo. O estresse, a desnutrição, a redução das defesas, a virulência da bactéria e essa predisposição definem a doença. O primeiro depoimento é da pneumologista Paula Ataíde, responsável pelo tratamento de pacientes com tuberculose multirresistente no Hospital Otávio de Freitas, da rede estadual, referência nesses casos. No bairro do Sancho, Zona Oeste do Recife, reserva 55 leitos para a doença, todos sempre cheios. A segunda fala é do infectologista Vicente Vaz, do Isolamento de Doenças Infecciosas do Hospital Universitário Oswaldo Cruz. Em Santo Amaro, centro expandido da capital, recebe também tuberculosos, parte dos doentes com a coinfecção aids-Tb. Paula e Vicente se formaram na década de 80 e desde os tempos de estudante tinham contato com a doença. O que os dois falam se cruza na história do pedreiro J.R., 38 anos. Há mais de um ano vinha sentindo febre todo fim de tarde. No início, era só febre e dor no peito. "Ia para a UPA perto da minha casa (Zona Norte do Recife). Diziam que era virose, tomava dipirona, melhorava e piorava no outro dia, conta. Ele voltava a procurar a urgência, trocava de UPA e sempre retornava para casa com dúvida, pois a virose não tinha fim. Os colegas de trabalho notaram que J.R. estava emagracendo muito, perdeu 22 quilos. E daí foi aparecendo raio de sangue no escarro. Resolveu então procurar o que deveria ter sido a sua porta de entrada no SUS: o PSF perto de casa. Lá, o médico diagnosticou tuberculose e tão debilitado estava J.R. que acabou internado no Oswaldo Cruz.
          Para Vicente Vaz, é provável que muita tuberculose esteja sendo tratada por aí como pneumonia. Mas se tiver tratamento, tudo bem. O pior é quando o doente fica totalmente entregue à sorte. Enquanto não morre, transmite bacilos para mais gente. Até 2015, para atender a meta da Organização Mundial de Saúde, o Brasil deverá ter dez casos da doença por cada 100 mil habitantes. A média brasileira é de 32 por 100 mil e, em Pernambuco, 44. Mas há extremos, variando de sete a 241 casos por 100 mil, segundo a Secretaria Estadual de Saúde. No Presídio Aníbal Bruno, Zona Oeste da capital, o confinamento eleva a taxa para 1.800 por 100 mil (360 casos por 5.000 carcerários). "Não sabemos quando a tuberculose vai embora", sentencia Maria Júlia Vilela, coordenadora do programa municipal de combate à doença. Há 20 anos militando nesse campo, reconhece a incidência alta na capital: 86,2 casos por 100 mil, quase o dobro da média estadual. Para ela, a melhor estratégia para identificar doentes e convencê-los a fazer o tratamento é a que utiliza os profissionais de saúde da comunidade onde a pessoa está inserida, atuando inclusive em horários noturnos, para acolher a população masculina, que passa o dia trabalhando e não consegue ter acesso aos postos de saúde. Essa dificuldade, aliás, vem crescendo com o mercado de trabalho, ofertas de emprego na Zona Sul do Grande Recife e o difícil transporte público. "Meu marido acordava às 4 horas, tinha que pegar ônibus na integração, mudava para o metrô, depois tomava outro ônibus para chegar ao Cabo de Santo Agostinho. Lá, na empresa, ele não tinha folga para cuidar da saúde", justifica Maria de Lourdes Santana, que viu o companheiro só parar a rotina quando já não dava mais para superar a doença. 

sábado, 12 de janeiro de 2013

O Tracoma em Pernambuco



Por PGAPereira. Longe das epidemias relatadas pelos oftalmologistas pernambucanos Altino Ventura e Clóvis Paiva nas décadas de 40 e 50, o tracoma, outra doença do passado, faz parte do presente. O Programa de Enfrentamento das Doenças Negligenciadas da Secretaria de Saúde de Pernambuco (Sanar) tem submetido a exame de vista crianças matriculadas em escolas públicas e já encontrou, num mesmo lugar, até 10% delas com o problema. Jean Victor (foto), morador de Bodocó, é uma das vítimas.A doença, repetidas vezes, deixa a pessoa cega, o que leva a Organização Mundial de Saúde a estabelecer como meta para 2020 a erradicação de toda perda de visão em razão do tracoma. É causada por uma bactéria _ Chlamydia trachomatis _ que teria sido introduzida no Brasil no século 18, com as migrações europeias. Em São Paulo, no ano de 1904, o governo impediu a entrada de imigrantes doentes no Porto de Santos. A medida, no entanto, caiu rapidamente, diante da pressão de cafeicultores, que precisavam da mão de obra estrangeira.No livro Geografia da Fome, publicado em 1946, Josué de Castro cita o tracoma ao descrever as doenças que acometiam a população pobre do Sertão, desprovida de água, principalmente a região do Cariri, no Ceará. Em Pernambuco a falta de saneamento básico – sobretudo, acesso à água tratada, para possibilitar a lavagem de mãos e do rosto – ainda é forte."Tracoma é doença relacionada diretamente às condições de vida. Não é só falta de higiene. Não é só falta de educação doméstica. É propiciada pela falta d’água", diz Gisele Campozana, da Fiocruz. Em pesquisa de campo, ela diz ser muito comum ver criança com o rosto sujo. Gisele vai coordenar um inquérito nacional financiado pelo Ministério da Saúde, no qual Pernambuco está incluído.O coordenador do Projeto Sanar, José Alexandre Menezes, observa também componente cultural na incidência atual do tracoma. "Os hábitos permanecem mesmo com o acesso à água", relata. Segundo ele, entre 2011 e o primeiro semestre de 2012, foram realizadas ações em 15 dos 22 municípios prioritários, examinando 53.777 estudantes de 494 escolas. Desses, 1.440 tinham a doença e receberam tratamento, assim como os familiares. A média é 2,7% de infectados. A OMS considera elevada acima de 5%. Dois municípios apresentaram taxas superiores.
Mais de 1.000 infectados. No Araripe, região pernambucana muito próxima do reduto cearense que abrigou o tracoma no século passado, relatos são raros sobre doença recente. Só os mais velhos fazem referência ao tempo em que muita gente vivia com o olho inchado, coçando. Na vila urbana de Serra Branca, em Ipubi, a 662 quilômetros do Recife, o marceneiro Alfredo Graciano de Oliveira, 79 anos, recorda: "Era tanta gente sem pestana, corria aquela água velha". A vila, que tem uma fonte de água mineral, não sofre o impacto direto da seca. É atendida por poços artesianos e na estiagem do presente, a maior dos últimos 30 anos, gaba-se de ter frutas no quintal (manga, seriguela, goiaba). Mas só água não significa prosperidade. As famílias vivem do Bolsa Família, do salário de professor ou funcionário público. Uma agente de saúde, de 40 anos, não se lembra de ter visto tracoma, mas cita que vez ou outra há surtos de conjuntivite no distrito. Conta que não recebem visita de oftalmologistas e quem prefere a consulta com especialista tem que pagar médico particular. A visita porta-a-porta, para a entrega de pomada oftálmica (com antibiótico), deixou de ser feita quando as ações de saúde saíram das mãos da antiga Sucam (Funasa) para a prefeitura, mudança introduzida com a municipalização preconizada no SUS. Na região dos sítios, a situação vai mudando de figura. Em Serrolândia, as consequências da seca estão à mostra na paisagem e nas casas. Maria Rita Ferreira, 51 anos, natural de Exu e que vive em Serrolândia desde a juventude, diz que é comum haver problema nos olhos, com coceira e vermelhidão. Ela preside a Associação de Pequenos Produtores Rurais da Serra de Primavera (distrito de Serrolândia), em Ipubi. Para as 96 famílias que lá vivem falta muita coisa. A irmã dela, Lucilene Gonçalves, de 31 anos, mãe de 4 filhos, conta que todos tiveram problema nos olhos. "Quando eu era pequena me davam pomada de terramicina. Agora, boto sal", diz. A água que abastece as casas é de barreiro. O carro-pipa, a R$70,00 têm que dar para 60 dias.
          Profissionais de saúde da 9ª Geres, em Ouricuri, explicam que Araripina, Ipubi, Exu, Bodocó e Moreilândia têm bolsões de tracoma. No último inquérito realizado em 2006, em Bodocó, 5% das crianças estavam com a enfermidade. "É uma doença da falta d'água, de saneamento básico. Eles usam água de poço, cacimba. Utilizam a água da mesma bacia para fazer a limpeza das mãos e do corpo, compartilham a toalha. É uma doença de pé de serra, de mosquito remelento", conta um dos trabalhadores do SUS. A orientação é de não compartilhar a toalha e retirar a água com um caneco em vez de reutilizar na bacia para várias pessoas. Exames feitos em 2011 detectaram cinco casos em Bodocó. Foram mais de 600 crianças examinadas, de primeira a quarta série, de 7 a 14 anos, em oito escolas. Um deles foi recebido com surpresa pela professora Maria das Dores Albuquerque. O filho dela, Jean Victor, de 8 anos, que para a família tinha um problema alérgico nos olhos, foi incluído entre os positivos. Embora bem informada e orientada, Maria das Dores não tem água encanada. A fonte de abastecimento doméstico é uma cisterna que secou. O garoto já recebeu o tratamento preconizado, um comprimido de antibiótico. 

sábado, 5 de janeiro de 2013

Doença de Chagas em Pernambuco




por PGAPereira. O que há em comum entre uma agricultora de 34 anos, que vive em Panelas, no Agreste pernambucano, e um trabalhador do canavial, com 72 anos, nascido em Bom Jardim e criado em Igarassu, no Grande Recife? José Pedro da Silva perdeu pai e mãe vítimas da doença de Chagas e já sofre as consequências do mal. Seu coração só bate direito graças a um marcapasso instalado há quatro anos. Quitéria Rosa da Silva, 34, amarga desde os 19 anos o diagnóstico da doença. No seu caso, os herdeiros da doença são suas filhas Aline, de 20 anos, a primogênita, e Bruna, de 6, a nona dos 11 anos que botou no mundo. Quitéria pode ser o emblema do novo padrão da doença causada pelo barbeiro. Há chance de suas filhas terem a marca do parasita no sangue transmitido na gestação. Mas há risco de a família representar também a falha na vigilância à doença, pois até março deste ano ela vivia numa casa de taipa, visitada pelo inseto. Além disso, segundo avaliação da Secretaria Estadual de Saúde, a diminuição do número de domicílios investigados e a manutenção da proporção de insetos infectados nos últimos quatro anos significam aumento do risco de transmissão. Apregoado como o fim da doença, o certificado do Brasil como País livre da transmissão pelo Triatoma infestans escondeu que outros gêneros podem fazer o papel do aniquilado e que há uma multidão de crônicos invisíveis, infectados em outras épocas, que precisam ser descobertos e tratados. Desde os tempos do professor Durval Lucena, que fez o registro científico do primeiro caso pernambucano, muita gente ainda morre de Chagas e outros têm diagnóstico tardio da doença.
Multidão de crônicos. Assim como a esquistossomose, a doença de Chagas se perpetua em famílias pernambucanas, embora desde 2006 o Brasil tenha conquistado o certificado de fim da transmissão pelo Triatoma infestans, uma das espécies do barbeiro, conhecido também como bicudo. No Sítio Areias, área rural de Panelas, Agreste, na casa de Quitéria Rosa da Silva, 34 anos, o mal está presente no sangue dela, da filha mais velha, Aline, de 20 anos, e da nona, Bruna, de 6 anos. Não se sabe se as meninas herdaram o problema antes de nascer ou se foram infectadas depois pelo barbeiro, pois a casa onde moravam até o início deste ano era de taipa. Caso semelhante foi detectado na cidade durante o último inquérito nacional sobre a doença, realizado entre 2001 e 2008 no Brasil. Uma criança e a mãe tinham no sangue anticorpos da doença. Chegamos a Quitéria, em maio, na segunda expedição jornalística, com a ajuda de um agente de endemias que se sentia realizado em ver aquela grande família morarem agora numa casa de tijolos. Quitéria tem ao todo 11 filhos, planta milho, feijão e recebe Bolsa Família, ajuda mensal dada pelo governo federal. A vida parece dura, mas ela e as crianças estampam sorriso no rosto, conformadas com a luta. Descobriu que tinha Chagas no sangue aos 19 anos de idade, depois de ver, na televisão, reportagem sobre o barbeiro. Ela lembrou que, na casa de barro, durante toda a sua infância, era o mesmo bichinho que a picava. "Procurei a Secretaria de Saúde. Naquele tempo não existia agente comunitário", conta. Ela recorreu ao pessoal da Fundação Nacional de Saúde (Funasa). Exames de sangue confirmaram que estava infectada. Depois, constatou que a filha mais velha, já nascida, também tinha o mesmo problema. Mais herdeiros foram nascendo e a Doença de Chagas mais uma vez se repetiu na nona filha, Bruna. Quitéria só tomou o remédio contra o parasita (benzonidazol) há dois anos. Faz acompanhamento no Ambulatório de Chagas do Pronto-Socorro Cardiológico de Pernambuco. Já tem algum sintoma? "Sinto uma canseira nas pernas e uma dor de cabeça muito forte", diz, consciente de que não pode se dedicar totalmente à roça. Mas morando no interior e com o serviço de referência para Chagas funcionando na capital, não é fácil ir às consultas. Para chegar às 6 horas no Recife, tem que sair às 2 horas de casa e perder o resto do dia com o retorno. Um serviço médico próximo de casa é reivindicação da Associação dos Doentes de Chagas e Insuficiência Cardíaca. O presidente é José Pedro da Silva, 73 anos, nascido em Bom Jardim, onde foi confirmado o terceiro portador do mal, na década de 40. Originário da Zona da Mata, ele tem sequelas de esquistossomose e de doença de Chagas. Usa marcapasso para compensar o estrago no coração. "Na década passada, conseguimos que a Prefeitura de Igarassu abrisse um ambulatório só para os chagásicos, como eu, que sou morador de lá. Mas, com a mudança de prefeito, o atendimento foi suspenso."
Na cidade de Tabira, que enterra por ano, em média, quatro vítimas do mal de chagas, facilmente nos deparamos com famílias e ruas marcadas pela doença. Antes de ir a um posto de saúde, arriscamos perguntar na entrada da cidade a um grupo de mototaxistas se conhecia algum falecido ou doente. Um levantou o braço e falou do sogro, morto há três anos. O outro apresentou a irmã, que tem a doença e não consegue se aposentar. Maria José Ferreira, 77 anos, confirma que o marido faleceu do mal de Chagas em 5 de novembro de 2009. Ela não esquece a data nem o sofrimento do esposo. José Paulino Sobrinho, o marido dela, sofreu um infarto e a partir dos exames descobriu que também tinha Chagas. Em duas décadas, trocou de marcapasso três vezes. A viúva mora numa casa de alvenaria, mas se lembra dos bicudos. "Paulino nasceu em Boi Velho, na Paraíba. Vivemos muito tempo num sítio, já em Tabira, onde os bicudos viviam na parede", conta. A cerca de 200 metros dali, mora Aretuza Maria de Lima Daniel. Aos 44 anos, mãe de um filho, sofre com arritmia. Natural de Serra Talhada, morou até os 16 anos naquela cidade, numa casa de taipa, no Sítio Beira do Rio. Agora vive com o marido numa casa de tijolos em Tabira e trabalha numa fábrica de pipocas. Embora jovem, já sofreu Acidente Vascular Cerebral várias vezes e tem sequelas do mal de Chagas no coração. "Trabalho porque preciso. Mas não tenho mais condições", diz. Ela tenta sem sucesso a aposentadoria por invalidez. Como não há médico no posto próximo de casa, paga consulta particular e exames que a Previdência Social exige. "Gastei recentemente R$ 500 para fazer eletrocardiograma, ecocardiograma e exame de esteira." Em São José do Egito, os portadores do mal também estão à vista. No Posto de Saúde da Família de Planalto, bairro populoso, há vítima de Chagas até entre os agentes de saúde. Rizomar Ferreira Leite, 53 anos, acredita que só vai parar de trabalhar "quando estiver no caixão". A doença que já matou o pai dela causa danos ao seu intestino. Na rua seguinte, Maria Dulce Ferreira, 68, natural de Teixeira, na Paraíba, tem Chagas e também perdeu o pai pelo mesmo problema. Acredita que foi picada pelo barbeiro quando era mais jovem e morava num sítio em Itapetim. Está em São José do Egito há sete anos. Foi nessa cidade que começou a sentir os efeitos da doença. "Passei cinco dias vomitando e comecei a sentir cansaço", relata. Ela usa marcapasso e toma sete medicações compradas.
Em Timbaúba, na Zona da Mata, cidade onde viveu o primeiro doente de Chagas cientificamente comprovado em Pernambuco, por Durval Lucena, em 1940, encontrou Luíza Maria de Lira. Aos 67 anos, ela descobriu há 40 que tem o mal. Guarda até hoje o exame que lhe deu o diagnóstico, a reação de Machado e Guerreiro, técnica não mais utilizada. Toma 20 remédios por dia, para controlar também pressão e diabete. "A Doença de Chagas está controlada, a diabete é que não está", diz a filha Rosilane. Mãe de adolescente, Rosilane e suas três irmãs nunca fizeram exame de Chagas. Saindo do Centro, tomamos o caminho da zona rural, onde casas de tijolos estão sendo construídas em substituição às taperas que os barbeiros costumam visitar. Próximo às ruínas de uma estação de trem, a idosa Maria Davina da Silva, 88 anos, ainda reside em casa de taipa. Na casa dela ninguém tem Chagas, mas ela se lembra do "percevejo de cadeia, chupão, bicho do casco duro". Em Espinho Preto, José Pedro da Silva, ou Pociano, como é conhecido, confirma que ficou viúvo há seis anos. A esposa, Cícera Minervina da Silva, passou sete anos inchada, cansada, até que o coração não resistiu. Morreu morando numa casa de barro, onde a filha Damiana Cícera da Silva, 34 anos, ainda vive. "Vi minha mãe sofrer muito. Não quero ter essa doença", diz, sem ter testado seu sangue até então. Timbaúba, Zona da Mata Norte, tem 53.825 habitantes, desses, 7.458 (13,9%) estão em área rural. O Censo 2010 do IBGE encontrou, no território, 217 casas de taipa com revestimento e 61 sem reboco, servindo de habitação para 1.500 pessoas. Serra Talhada, no Sertão do Pajeú tem 79.232 moradores. São quase mil habitações de taipa na cidade polo da região. Panela, no Agreste, tem população de 25.645 habitantes e 98% deles já vivem em casa de alvenaria, conforme o IBGE. Há 57 imóveis com paredes de barro, onde moram 306 pessoas.
Barbeiro segue a urbanização. Em Serra Talhada, a 420 quilômetros do Recife, no Sertão do Pajeú, a Secretaria Municipal de Saúde já detectou barbeiros na área urbana da cidade. "Ainda não podemos dizer que estão se reproduzido, não identificamos colônias que poderiam confirmar essa situação", explica Aron Araújo, responsável pela vigilância epidemiológica. O secretário-adjunto de Saúde, José Alves, teme que um dia isso possa ocorrer. E aponta um fator determinante: o avanço da urbanização, que desmata e desaloja os insetos. O desmatamento para exploração imobiliária, que cresceu com a criação de novos campus universitários e obras da Ferrovia Transnordestina, retirou os insetos do seu habitat natural. O cinturão periférico do Centro é ocupado por pessoas que deixam a área rural, trazendo galinhas, cachorros, chiqueiro, mantendo, portanto, hábitos que atraem os barbeiros. Conforme a Secretaria Estadual de Saúde, o índice de residências com barbeiros tem se mantido em torno de 9%. Dos insetos capturados, 6% estão infectados pelo parasita causador da doença. "Desde o ano passado, temos fortalecido as ações de controle do vetor, o que deverá implicar na redução do percentual de barbeiros", informa José Alexandre Menezes, coordenador do Programa de Enfrentamento das Doenças Negligenciadas. A redução do número de domicílios visitados e a manutenção do percentual de positividade dos vetores, ao longo dos últimos quatro anos, segundo Menezes, "significam aumento do risco de transmissão, daí a necessidade de fortalecer a vigilância pelos municípios". Em 2007, 132.699 imóveis foram inspecionados. Dois anos depois, os domicílios visitados somaram apenas 104.998, mais de 28.000 a menos. Oficialmente não têm sido registrados casos de transmissões recentes. No Ambulatório de Chagas do Pronto-Socorro Cardiológico de Pernambuco, são 1.150 chagásicos matriculados. Wilson Oliveira, cardiologista que coordena o serviço, acredita que a enfermidade permanece sendo negligenciada. "Mas pela primeira vez estou vendo interesse maior em melhorar a assistência", reconhece. O serviço foi certificado recentemente pelo Ministério da Saúde como referência regional.
Descentralização. Apesar da larga experiência e da referência para casos agudos e crônicos de Chagas, o ambulatório tem déficit de pessoal. Como trabalha com equipe multidisciplinar, precisa de enfermeiros, psicólogo, assistente social e de educador físico. Wilson Oliveira defende que os chagásicos passem a ser acompanhados pelo Programa Saúde da Família ou por outro serviço de atenção básica perto de casa, ficando para o Procape os casos mais complexos. Outro desafio é encontrar médicos dedicados. "É pequeno o interesse diante de doença negligenciada", diz o especialista, que fundou o serviço em 1987. "Há 40 anos usamos o mesmo remédio. Já deveríamos ter uma droga com menos efeitos adversos", completa. O coordenador do Sanar responde que estão sendo realizadas ações para melhorar a qualidade do diagnóstico, com uma rede de referência para a vigilância e tratamento das pessoas com a doença. Uma das metas do Estado é a descentralização da oferta de sorologia para Chagas nas regionais de saúde.