Por PGAPereira.
O advento da penicilina na década 40 e o avanço da medicina no século atual bem
que poderiam ter nos livrado do bacilo de Koch. Mas não foi isso o que
aconteceu e muito menos será realidade em pouco tempo. No País das
desigualdades, tão realçadas em território pernambucano, as doenças sociais não
se apagam facilmente. A tuberculose, que já era motivo de preocupação em 1648,
quando o médico do Conde Maurício de Nassau, Guilherme Piso, escreveu um livro
sobre a história médica da Índia Ocidental, com um dos capítulos intitulado
"Dos Catarros", ainda mata uma pessoa por dia no Estado (segunda
maior taxa do Brasil). São 4.100 doentes novos e 370 óbitos por ano. Durante
essa expedição, ouvimos de médicos contemporâneos, com quase 30 anos de
prática, a impressão de que o problema não cessa e ganha novos complicadores.
Em vez do álcool, agora é o crack que facilita o adoecimento. A aids, desde a
década de 80, deixa outros tantos vulneráveis. A condição de vida, insalubre
para pobres, também permanece aliada, além do superlotado sistema
penitenciário. Uma incursão nos hospitais Otávio de Freitas, para onde vão os
doentes com a forma multirresistente, e Oswaldo Cruz, fundado em 1884 como
Hospital de Santa Águeda para cuidar das epidemias, revela doentes jovens e
adultos, preferencialmente do sexo masculino, magros, escarrando sangue. J.R.,
38 anos (foto), pedreiro, entrou para essa lista este ano, depois de passar
quase 12 meses sem diagnóstico. "Tinha dor no peito. Dava febre todo final
de tarde. Eu ia para a UPA para não esperar duas semanas pela consulta com o
médico do Saúde da Família. Diziam que era virose, tomava dipirona, melhorava e
piorava no outro dia, sempre na mesma hora."
Dez novos doentes por dia. Quando comecei a tratar pacientes com tuberculose mal sabia que
se tratava de um caldeirão prestes a explodir. Esse caldeirão continua
borbulhando. Há uma deficiência nas redes primárias de saúde, as pessoas
abandonam o tratamento e acabam se hospitalizando com uma doença resistente aos
remédios. Sempre teve e tem muita tuberculose. Vejo mais pessoas doentes e o
diagnóstico não é fácil. Acredito numa predisposição genética. Todos nós
entramos em contato com o bacilo. O estresse, a desnutrição, a redução das
defesas, a virulência da bactéria e essa predisposição definem a doença. O
primeiro depoimento é da pneumologista Paula Ataíde, responsável pelo
tratamento de pacientes com tuberculose multirresistente no Hospital Otávio de
Freitas, da rede estadual, referência nesses casos. No bairro do Sancho, Zona
Oeste do Recife, reserva 55 leitos para a doença, todos sempre cheios. A segunda
fala é do infectologista Vicente Vaz, do Isolamento de Doenças Infecciosas do
Hospital Universitário Oswaldo Cruz. Em Santo Amaro, centro expandido da
capital, recebe também tuberculosos, parte dos doentes com a coinfecção
aids-Tb. Paula e Vicente se formaram na década de 80 e desde os tempos de
estudante tinham contato com a doença. O que os dois falam se cruza na história
do pedreiro J.R., 38 anos. Há mais de um ano vinha sentindo febre todo fim de
tarde. No início, era só febre e dor no peito. "Ia para a UPA perto da
minha casa (Zona Norte do Recife). Diziam que era virose, tomava dipirona, melhorava
e piorava no outro dia, conta. Ele voltava a procurar a urgência, trocava de
UPA e sempre retornava para casa com dúvida, pois a virose não tinha fim. Os
colegas de trabalho notaram que J.R. estava emagracendo muito, perdeu 22
quilos. E daí foi aparecendo raio de sangue no escarro. Resolveu então procurar
o que deveria ter sido a sua porta de entrada no SUS: o PSF perto de casa. Lá,
o médico diagnosticou tuberculose e tão debilitado estava J.R. que acabou
internado no Oswaldo Cruz.
Para Vicente Vaz, é provável que
muita tuberculose esteja sendo tratada por aí como pneumonia. Mas se tiver
tratamento, tudo bem. O pior é quando o doente fica totalmente entregue à
sorte. Enquanto não morre, transmite bacilos para mais gente. Até 2015, para
atender a meta da Organização Mundial de Saúde, o Brasil deverá ter dez casos
da doença por cada 100 mil habitantes. A média brasileira é de 32 por 100 mil
e, em Pernambuco, 44. Mas há extremos, variando de sete a 241 casos por 100
mil, segundo a Secretaria Estadual de Saúde. No Presídio Aníbal Bruno, Zona
Oeste da capital, o confinamento eleva a taxa para 1.800 por 100 mil (360 casos
por 5.000 carcerários). "Não sabemos quando a tuberculose vai
embora", sentencia Maria Júlia Vilela, coordenadora do programa municipal
de combate à doença. Há 20 anos militando nesse campo, reconhece a incidência
alta na capital: 86,2 casos por 100 mil, quase o dobro da média estadual. Para
ela, a melhor estratégia para identificar doentes e convencê-los a fazer o
tratamento é a que utiliza os profissionais de saúde da comunidade onde a
pessoa está inserida, atuando inclusive em horários noturnos, para acolher a
população masculina, que passa o dia trabalhando e não consegue ter acesso aos
postos de saúde. Essa dificuldade, aliás, vem crescendo com o mercado de
trabalho, ofertas de emprego na Zona Sul do Grande Recife e o difícil
transporte público. "Meu marido acordava às 4 horas, tinha que pegar
ônibus na integração, mudava para o metrô, depois tomava outro ônibus para
chegar ao Cabo de Santo Agostinho. Lá, na empresa, ele não tinha folga para
cuidar da saúde", justifica Maria de Lourdes Santana, que viu o
companheiro só parar a rotina quando já não dava mais para superar a doença.
Nenhum comentário:
Postar um comentário