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sábado, 12 de janeiro de 2013

O Tracoma em Pernambuco



Por PGAPereira. Longe das epidemias relatadas pelos oftalmologistas pernambucanos Altino Ventura e Clóvis Paiva nas décadas de 40 e 50, o tracoma, outra doença do passado, faz parte do presente. O Programa de Enfrentamento das Doenças Negligenciadas da Secretaria de Saúde de Pernambuco (Sanar) tem submetido a exame de vista crianças matriculadas em escolas públicas e já encontrou, num mesmo lugar, até 10% delas com o problema. Jean Victor (foto), morador de Bodocó, é uma das vítimas.A doença, repetidas vezes, deixa a pessoa cega, o que leva a Organização Mundial de Saúde a estabelecer como meta para 2020 a erradicação de toda perda de visão em razão do tracoma. É causada por uma bactéria _ Chlamydia trachomatis _ que teria sido introduzida no Brasil no século 18, com as migrações europeias. Em São Paulo, no ano de 1904, o governo impediu a entrada de imigrantes doentes no Porto de Santos. A medida, no entanto, caiu rapidamente, diante da pressão de cafeicultores, que precisavam da mão de obra estrangeira.No livro Geografia da Fome, publicado em 1946, Josué de Castro cita o tracoma ao descrever as doenças que acometiam a população pobre do Sertão, desprovida de água, principalmente a região do Cariri, no Ceará. Em Pernambuco a falta de saneamento básico – sobretudo, acesso à água tratada, para possibilitar a lavagem de mãos e do rosto – ainda é forte."Tracoma é doença relacionada diretamente às condições de vida. Não é só falta de higiene. Não é só falta de educação doméstica. É propiciada pela falta d’água", diz Gisele Campozana, da Fiocruz. Em pesquisa de campo, ela diz ser muito comum ver criança com o rosto sujo. Gisele vai coordenar um inquérito nacional financiado pelo Ministério da Saúde, no qual Pernambuco está incluído.O coordenador do Projeto Sanar, José Alexandre Menezes, observa também componente cultural na incidência atual do tracoma. "Os hábitos permanecem mesmo com o acesso à água", relata. Segundo ele, entre 2011 e o primeiro semestre de 2012, foram realizadas ações em 15 dos 22 municípios prioritários, examinando 53.777 estudantes de 494 escolas. Desses, 1.440 tinham a doença e receberam tratamento, assim como os familiares. A média é 2,7% de infectados. A OMS considera elevada acima de 5%. Dois municípios apresentaram taxas superiores.
Mais de 1.000 infectados. No Araripe, região pernambucana muito próxima do reduto cearense que abrigou o tracoma no século passado, relatos são raros sobre doença recente. Só os mais velhos fazem referência ao tempo em que muita gente vivia com o olho inchado, coçando. Na vila urbana de Serra Branca, em Ipubi, a 662 quilômetros do Recife, o marceneiro Alfredo Graciano de Oliveira, 79 anos, recorda: "Era tanta gente sem pestana, corria aquela água velha". A vila, que tem uma fonte de água mineral, não sofre o impacto direto da seca. É atendida por poços artesianos e na estiagem do presente, a maior dos últimos 30 anos, gaba-se de ter frutas no quintal (manga, seriguela, goiaba). Mas só água não significa prosperidade. As famílias vivem do Bolsa Família, do salário de professor ou funcionário público. Uma agente de saúde, de 40 anos, não se lembra de ter visto tracoma, mas cita que vez ou outra há surtos de conjuntivite no distrito. Conta que não recebem visita de oftalmologistas e quem prefere a consulta com especialista tem que pagar médico particular. A visita porta-a-porta, para a entrega de pomada oftálmica (com antibiótico), deixou de ser feita quando as ações de saúde saíram das mãos da antiga Sucam (Funasa) para a prefeitura, mudança introduzida com a municipalização preconizada no SUS. Na região dos sítios, a situação vai mudando de figura. Em Serrolândia, as consequências da seca estão à mostra na paisagem e nas casas. Maria Rita Ferreira, 51 anos, natural de Exu e que vive em Serrolândia desde a juventude, diz que é comum haver problema nos olhos, com coceira e vermelhidão. Ela preside a Associação de Pequenos Produtores Rurais da Serra de Primavera (distrito de Serrolândia), em Ipubi. Para as 96 famílias que lá vivem falta muita coisa. A irmã dela, Lucilene Gonçalves, de 31 anos, mãe de 4 filhos, conta que todos tiveram problema nos olhos. "Quando eu era pequena me davam pomada de terramicina. Agora, boto sal", diz. A água que abastece as casas é de barreiro. O carro-pipa, a R$70,00 têm que dar para 60 dias.
          Profissionais de saúde da 9ª Geres, em Ouricuri, explicam que Araripina, Ipubi, Exu, Bodocó e Moreilândia têm bolsões de tracoma. No último inquérito realizado em 2006, em Bodocó, 5% das crianças estavam com a enfermidade. "É uma doença da falta d'água, de saneamento básico. Eles usam água de poço, cacimba. Utilizam a água da mesma bacia para fazer a limpeza das mãos e do corpo, compartilham a toalha. É uma doença de pé de serra, de mosquito remelento", conta um dos trabalhadores do SUS. A orientação é de não compartilhar a toalha e retirar a água com um caneco em vez de reutilizar na bacia para várias pessoas. Exames feitos em 2011 detectaram cinco casos em Bodocó. Foram mais de 600 crianças examinadas, de primeira a quarta série, de 7 a 14 anos, em oito escolas. Um deles foi recebido com surpresa pela professora Maria das Dores Albuquerque. O filho dela, Jean Victor, de 8 anos, que para a família tinha um problema alérgico nos olhos, foi incluído entre os positivos. Embora bem informada e orientada, Maria das Dores não tem água encanada. A fonte de abastecimento doméstico é uma cisterna que secou. O garoto já recebeu o tratamento preconizado, um comprimido de antibiótico. 

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