Sobreviventes do vírus Ebola, mas
excluídos. Os que foram tratados e sobreviveram estão sendo rejeitados por
famílias e vizinhos, diante do temor de que possam disseminar uma doença sem
cura. Quem conta isso é o médico brasileiro Maurício Ferri, que acaba de deixar
Serra Leoa, depois de dez dias em um dos epicentros do surto. "Quem
sobrevivia pedia um certificado para mostrar que estava curado", contou ao
Estado em Genebra. Paranaense de Maringá, Ferri mora em New Jersey e decidiu
ajudar a Organização Mundial da Saúde (OMS) em Serra Leoa. Depois de passar
pelo Hospital Albert Einstein, em São Paulo, e pelo Canadá, o médico fazia a
primeira viagem para a África e justamente para o "centro de um
furacão". Antes, teve de convencer a mulher a deixar que fosse em missão. O
temor da família não ocorria por acaso. Das 932 mortes até ontem pelo vírus,
pelo menos 80 são de médicos e enfermeiras que estavam tratando das pessoas
infectadas. Ferri foi enviado para
Kenema, no interior de Serra Leoa, e por dez dias tratou de pacientes
infectados pelo Ebola. O surto é o maior já registrado e, até amanhã, a OMS
definirá se decreta emergência sanitária mundial. Para o brasileiro, o impacto
da doença não é apenas individual, mas coletivo. "Uma sociedade inteira
está abalada", contou. "O problema é muito sério", disse. O
drama, segundo ele, vai bem além dos cerca de 50% dos pacientes que acabam
morrendo. "Os que sobrevivem se sentem diferentes. Eles sentem que estão
sendo olhados de uma forma diferente", disse. "Nós dizíamos aos que
se curavam: ‘podem ir para casa.’ Mas eles tinham medo e nos pediam até um
certificado de que estavam curados, para mostrar às comunidades", relatou.
O problema da estigmatização se somava ao desconhecimento sobre como tratar
casos suspeitos. "O retorno dessas pessoas às suas casas era muito
difícil. Muitos passaram a ter medo deles", disse Ferri. O impacto também
era sentido nas famílias. "Entrávamos na enfermaria e encontrávamos três
ou quatro crianças chorando. Os pais tinham morrido e outros doentes tentavam
confortá-las." Proteção - Depois da morte do principal médico da
cidade e de diversas enfermeiras, todo cuidado era pouco. "A rotina era
sempre a mesma. Eu acordava e vestia uma verdadeira roupa de astronauta",
contou o brasileiro. O macacão branco era acompanhado por máscara, proteção
facial e luvas. "Entre os três médicos que atendiam, cada um se monitorava
para garantir que, antes de entrar em uma zona de contágio, todos estavam
protegidos", explicou. Em sua enfermaria, eram pelo menos 45 pacientes
sendo atendidos por ele e por dois britânicos. "Éramos muito poucos.
Tínhamos de fazer tudo. Pegar a veia dos pacientes, preparar a medicação, dar
água." Em um calor de 30 graus e
com alta taxa de umidade, Ferri trabalhava por cerca de três horas pela manhã e
outras três horas à tarde. A comunicação era ainda outro desafio. Blindado em
sua roupa, tinha diante dele pessoas que apenas falavam dialetos tribais e
raramente inglês. O desconhecimento também marcava o grau de tensão. Em um dos
dias, ele e os demais funcionários do centro de atendimento tiveram de ser
evacuados. Um tumulto havia sido formado na porta, com moradores que acusavam
os médicos estrangeiros de inventar uma doença. "Diziam que o Ebola não
existia", lembra Ferri. "Mas aqueles que estavam sendo tratados
sabiam que estávamos salvando suas vidas." Propagação - Ferri
alerta que "ninguém sabe o que vai acontecer", mas a doença pode se
espalhar por outros locais. "O número de casos neste surto é maior do que
nos precedentes. É uma situação imprevisível. Mas suspeito que vamos ouvir
falar bastante do Ebola ainda." Editor PGAPereira.
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